O que querem os alemães da KWS no Brasil.

Fonte: Forbes Agro / Vera Ondei

São Paulo, 25 de outubro de 2023

Ao Brasil foi dada a missão de produzir em escala global e é isso que o mundo espera. Há uma década, o país exportava 20 milhões de toneladas de milho. Na safra 2022/2023, elas chegaram a 56 milhões de toneladas do cereal, o que colocou o Brasil como o maior do mundo em vendas externas e na frente dos EUA pela primeira vez na história. O agricultor brasileiro é um jogador de peso global, não por acaso. A corrida para uma produção atual de 131,8 milhões de toneladas de milho é, também, uma corrida pela ciência. E o mundo põe os olhos nela.

Todos os nossos esforços e investimentos são em milho e a há mais regiões ainda em que teremos outras estações de pesquisa”, diz o paulistano Marcelo Salles, 41 anos, que se tornou engenheiro agrônomo e hoje é o CEO da KWS Sementes, uma empresa alemã de melhoramento genético que domina o mercado de beterraba açucareira na Europa e nos EUA.

No Brasil desde 2012, quando entrou no mercado comprando uma empresa de melhoramento genético de milho, a companhia saiu de uma receita de cerca de R$ 300 milhões para R$ 1,3 bilhão no ano passado. De acordo com a Mordor Intelligence, cinco empresas no mundo dominam 53,2% do mercado de sementes de milho no e KWS está entre elas. As demais são Bayer AG, Corteva Agriscience, Groupe Limagrain e Syngenta. Entre 2016 e 2028, a previsão da consultoria global é de um CAGR (taxa de crescimento anual composta) de 3,99% para este setor. A KWS, que tem 170 anos no mercado como uma empresa familiar, fatura por ano 1,6 bilhão de euros (cerca de R$ 8,5 bilhões) e atua em 70 países.

O coração da KWS são os seus centros e estações de pesquisa, no caso do Brasil, para melhorar a genética tropical das sementes híbridas de milho. Para os não entendidos em genética, uma explicação rápida para os híbridos: sementes produzidas a partir da polinização cruzada de plantas puras, o que eleva a produtividade por planta. A partir desta safra, com início das operações em setembro e outubro, a empresa conta com uma nova estação em Uberlândia (MG), estrutura destinada a estudos e ensaios de cultivo irrigado.

A unidade faz parte de investimentos no processamento das sementes, com uma indústria em Patos de Minas, município a 200 quilômetros de Uberlândia, de R$ 93 milhões empregados na primeira parte do projeto. Isso fez com que a capacidade da indústria saísse de 700 mil sacas com 60 mil sementes cada, para 2 milhões de sacas. A segunda fase em andamento, de investimentos da ordem de R$ 64 milhões, vai elevar essa capacidade a 3 milhões de sacas por safra nos próximos anos.

Félix Büchting, CEO global da KWS é presença constante no Brasil, hoje um dos principais investimentos da marca. “Sim, temos um modelo clássico de governança empresarial, porque estamos listados na bolsa de valores alemã. Mas gostamos que os executivos tenham responsabilidades compartilhadas por toda a empresa”, diz Büchting, salientando que o modelo de liderança é horizontal. “Você não precisa de hierarquias tradicionais para realizar coisas, mas precisa de equipe para realizar coisas”, afirma ele. Büchting esteve no país para a abertura da unidade de Uberlândia, projeto idealizado e estruturado pelos executivos brasileiros.

Os outros dois centros de pesquisa da KWS ficam em Petrolina (PE) e Sorriso (MT). As estações, nome que se dá às fazendas de apoio às pesquisas, estão no Paraná, nos municípios de Cambé e Ponta Grossa. Salles diz que “as estruturas de pesquisa servem para a progressão de trade. Porque ela te dá em torno de dois ou três ciclos por ano da planta e assim se ganha velocidade em lançar um produto.”

Brasil gigante no milho

O tamanho e a extensão de mercado e de país estão na base dessa dispersão. E não é somente a KWS que faz isso. Empresas de sementes, como Bayer e GDM Seeds, por exemplo, também investem em novas regiões que se destacam como bolsões de pesquisa tropical. No ano passado, a Bayer investiu R$ 125 milhões em um centro de desenvolvimento de pesquisas no sertão pernambucano.

Cada um desses locais cobre um mega ambiente de produção do Brasil. Porque os produtos precisam ser desenvolvidos no ambiente em que serão produzidos com suas especificidades”, diz Salles. “Sorriso em uma região tropical, Uberlândia em uma região de transição, mas de Terras Altas, e Cambé completamente de transição, indo para uma região subtropical de Terras Baixas e Ponta Grossa, subtropical de Terras Altas.” Por conta dessa demanda, a KWS está de olho em regiões nas quais o milho avança, como o Piauí e Tocantins, a parte que integra a região do Matopiba (intersecção de Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia), área de 66,5 milhões de hectares, com 91% dela no bioma Cerrado. Na entrevista concedida à Forbes, ele não confirma quando, mas é para essa região que a equipe brasileira olha.

Atualmente, a KWS tem 17 híbridos de milho adaptados ao Brasil. Há, também, 15 híbridos em teste destinados aos agricultores que começam a apostar nos produtos biológicos para a proteção das lavouras. “O biológico hoje é uma realidade e isso influencia a área do desenvolvimento genético”, afirma Salles. “Por isso testamos esses novos produtos combinados com a genética da semente. Hoje, temos ensaios no Brasil com a maioria dos produtos biológicos disponíveis para medir seu impacto na semente.”

Atualmente, segundo o executivo, a oferta ao mercado é de cerca de 1.500 produtos biológicos. Ele cita como exemplo os produtos destinados a combater a cigarrinha-do-milho, uma das pragas mais severas para a cultura em toda a América Latina. A cigarrinha é um inseto que se alimenta da seiva da planta e leva para dentro dela toxinas. “Estamos começando neste ano a testar os produtos lançados e o objetivo é aumentar a tolerância do milho à cigarrinha”, diz Salles. Segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), uma lavoura infestada pode chegar a uma quebra de produtividade de 70%.

Na safra 2022/23, o Brasil plantou 22,3 milhões de hectares de milho, área 3,2% acima da anterior e deve continuar crescendo. Com as demandas por produtos cada vez mais sustentáveis, o que significa produzir mais por área plantada, contribuindo para poupar terra, a engenharia genética na agricultura é um setor fundamental porque é ela que vai em busca das características agronômicas importantes que são passadas para os seus descendentes.

Foi a genética que deu carta branca para o Brasil avançar no mercado internacional do grão, respondendo hoje por 32% das exportações mundiais, enquanto os Estados Unidos responderam por cerca de 23%, em 2022. As exportações globais de milho no último ciclo foram de 177,5 milhões de toneladas, segundo o USDA (Departamento de Agricultura dos EUA).

Büchting diz que o papel das sementes, que responde por cerca de 15% do custo de produção dos agricultores, se tornará ainda mais importante no futuro. “Se olharmos em escala global, temos uma população mundial em crescimento. Temos menos superfície agrícola disponível, talvez não no Brasil, mas no mundo em geral. Se olharmos para a agricultura convencional hoje, o uso de proteção química de cultivos e fertilizantes está praticamente no limite máximo para alcançar altos rendimentos. Portanto, uma das poucas alavancas é a genética”, afirma. “Desenvolver novas variedades que possam render mais por hectare, incluindo boas práticas agrícolas, bom uso de fertilizantes e bom uso de proteção de cultivos, é o que nós da indústria de sementes temos como responsabilidade.” E completa: “O Brasil tem condições de ter mais safras por ano, houve um desenvolvimento impressionante do mercado de milho safrinha nos últimos 10 anos, é claro que se pode usar a mesma área de terra e colher duas vezes mais por ano. Temos aqui no Brasil um desafio que na Europa não somos capazes de fazer”.